A Advocacia de Cristo
Cap. 2:1-2 – Tendo
falado da provisão graciosa de Deus para Seus filhos que falham, para que
ninguém pense que ele está ensinando que não há problema algum para um filho de
Deus pecar (porque existe esta provisão), João se apressa em corrigir esta
falsa noção. Ele exclama: “Meus filhos, estas coisas vos escrevo para que
não pequeis” (JND). Esta é a
primeira vez na epístola que João fala ao seu público como: “Meus filhos”.
Nisso, vemos sua paixão e profunda preocupação pela preservação deles. De modo
algum ele aceitaria crentes tratando o pecado levianamente. É realmente algo muito
sério que um filho de Deus seja encontrado em pecado; devemos nos afastar até
mesmo de pensar isso. Se verdadeiramente enxergamos o que foi necessário para tirar
o pecado com justiça – a agonia dos sofrimentos expiatórios de Cristo na cruz –
nós o repudiaríamos!
A KJV diz: “Meus filhinhos
[no diminutivo] ...”[1].
No entanto, a palavra não deve estar no diminutivo no texto dos
capítulos 2:1, 12, 28; 3:7, 18; 4:4; 5:21. “Filhinhos” se refere àqueles
que são jovens na fé, mas João está se dirigindo a toda a família de Deus aqui,
não apenas aos novos convertidos. Usar “filhinhos” neste versículo
implica que os jovens na fé são os únicos que estão em perigo de pecar. Isso
não é verdade; todos os santos podem falhar se não se mantiverem perto do
Senhor (até mesmo um apóstolo poderia).
João prossegue e diz: “e,
se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo; e Ele
é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também
pelos de todo o mundo [mas
também para o mundo inteiro – JND]”. Isso explica como é que os crentes que falham chegam a
confessar seus pecados; é por meio da obra de Cristo como um “Advogado junto
ao Pai” (ARA). Nota: João
não diz: “Quando alguém pecar ...”. Isso implicaria dizer que
pecar é algo normal para um Cristão, o que não é verdade. Com Cristo
intercedendo por nós como nosso Sumo Sacerdote, somos impedidos de pecar – se
buscarmos ajuda n’Ele (Hb 7:25; 2 Pe 2:9; Jd 24). Portanto, na realidade, não
pecar é Cristianismo normal. Mas “se”, por vontade própria, um crente
pecar, há essa provisão de Deus para a restauração dele. Este é o argumento de João
aqui. Dizer que não pecamos nega nosso estado e a necessidade da advocacia de
Cristo; mas dizer que pecar é normal para nós, nega o sumo sacerdócio de
Cristo.
Cristãos que falham não
perdem sua salvação (como alguns erroneamente ensinam); se isso fosse verdade,
então João teria dito: “Se alguém pecar, ele precisa receber a Cristo como seu
Salvador novamente”. Mas ao referir-se a Cristo como nosso Advogado, como ele o
faz, indica que está tratando com o assunto de restauração e não de salvação.
Note também: a advocacia de Cristo é para “com o Pai”. Isso mostra que o
pecado de um crente não afeta seu relacionamento com Deus. Deus ainda é seu Pai
e o crente ainda é Seu filho, mesmo que tenha falhado. Da mesma forma, em uma
família terrena, a criança que desobedece a seu pai não deixa de ser seu filho.
Embora nosso relacionamento com Deus não possa ser afetado pelo pecado, nossa
comunhão com Deus certamente será, e permanecerá suspensa até que confessemos o
pecado que rompeu a comunhão. O problema é que poderemos entrar num estado de
alma tão fraco que nem sequer estaremos conscientes de que estamos fora da
comunhão com o Senhor e ser como Sansão que “não sabia que já o SENHOR Se
tinha retirado dele” (Jz 16:20). Não devemos pensar que o Senhor nos
abandona quando pecamos; Ele prometeu nunca fazer isso (Hb 13:5). Mas Ele
retira o senso de Sua presença conosco.
“Advogado [Paráclito – TB]” poderia ser traduzido como “Patrono”,
que significa “aquele que assume a causa de outro”. Na Escritura, é
aplicado ao Senhor (1 Jo 2:1) e ao Espírito Santo (“parakletos” em grego, traduzido como “Consolador” em Jo
14:16, 26, 15:26, 16:7). É importante entender que a obra de Cristo como um
Advogado começa imediatamente quando um crente cai em pecado, e não
quando ele se volta para Deus em arrependimento e confessa seus pecados. João
não diz: “Se alguém confessar seus
pecados, tem um Advogado junto ao Pai”. Isso faria com que o trabalho de
advocacia de Cristo fosse consequência de o crente falho se voltar para Ele, e estaríamos,
assim, colocando o “carro na frente dos bois”. Se a obra de Cristo como um
Advogado dependesse de nos voltarmos para Deus e confessarmos os nossos
pecados, ninguém jamais seria restaurado, porque nenhum crente falho pode
voltar por sua própria vontade – tal é o poder escravizador do pecado (Pv 5:22;
Jo 8:34). A verdade é que não podemos nos salvar e, se falharmos, não podemos
nos restaurar. A restauração é puramente uma obra do Senhor (Sl 23:3). É o que
Cristo faz como um Advogado que nos leva a voltar para Deus e confessar nossos
pecados.
[1]
N. do T.: A palavra grega “teknion”(diminutivo
de “teknon”), traduzida na KJV com “filhinhos” e na JND como “filhos”, é empregada nos caps. 2:1,
12, 28, 3:7, 18, 4:4, 5:21; Jo 13:33; Gl 4:19 e, conforme nota de rodapé da
versão JND em 1 Jo 2:1, “é um termo de afeto paterno que se aplica aos Cristãos,
independentemente do crescimento”; a palavra grega “paidion”, traduzida na KJV e JND como “filhinhos”, é empregada nos cap. 2:13 e 18 e significa os que são
imaturos na fé, como em 1 Coríntios 14:20. Em todas as versões em português
aparece apenas “filhinhos”.