Vida Eterna
Como mencionado, o grande tema que
percorre todo o ministério de João é a “vida eterna”. Seu evangelho
complementa suas epístolas, contendo todas as sementes desenvolvidas nas
epístolas. No evangelho, as características da vida eterna são apresentadas nos
ensinamentos do Senhor e são perfeitamente ilustradas em Sua vida; na epístola,
essas mesmas características são vistas nos filhos de Deus. João alude a isso
no capítulo 2:8, onde ele fala do novo mandamento de amar uns aos outros sendo
aquilo que é “verdadeiro n’Ele e em vós”. É como olhar
para um álbum de fotos de família; há semelhanças perceptíveis por toda a
família – dos pais aos filhos. Assim é na família de Deus; vemos os traços da
vida eterna que caracterizam o Pai e o Filho aflorando nos filhos de Deus. Esses
traços podem estar obscurecidos em nós às vezes, mas, mesmo assim, eles estão
lá. Do mesmo modo como agrada a um bom pai terreno ver seus filhos seguindo em
seus caminhos e ouvir as pessoas dizerem que eles o seguem, assim agrada a
Deus, nosso Pai, ver as coisas que O caracterizam mostradas nas ações de Seus
filhos.
Tendo declarado que o tema de João é a
vida eterna, pode-se perguntar: “O que exatamente é a vida eterna?”
Simplificando, é a posse da vida divina em comunhão com o Pai e o Filho no
poder do Espírito Santo. O Senhor disse: “E a vida eterna é esta: que
conheçam a Ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a Quem enviaste”
(Jo 17:3). Para termos esta vida, Cristo teve que descer do céu para revelar o
Pai e o relacionamento eterno que Ele tem com Seu Filho (Jo 1:18, 10:10; 1 Jo 4:9).
Além disso, esta vida não poderia ser possuída sem o crente estar descansando
em fé na obra consumada de Cristo (Jo 3:14-15) e sendo habitado pelo Espírito
Santo (Jo 4:14). Isso mostra que a vida eterna é uma bênção distintamente Cristã
que possuímos “em Cristo Jesus”, o Homem ressuscitado, ascendido e
glorificado à direita de Deus (Rm 6:23; 2 Tm 1:1). F. G. Patterson disse: “A
vida eterna é o termo Cristão para o que possuímos em Cristo; por meio dela
somos levados à comunhão com o Pai e o Filho e, assim, temos uma natureza
adequada ao céu” (Scripture Notes and Queries, pág. 112). Ele também
disse: “Temos a vida eterna em Cristo – Cristo vive em nós; e essa vida eterna
nos leva à comunhão com o Pai e o Filho, o que não poderia acontecer antes que
o Pai fosse revelado n’Ele e o Espírito Santo fosse dado, pelo qual gozamos
isso” (Words of Truth, vol. 3, pág. 178). H. Nunnerley disse: “A vida eterna
é uma vida de comunhão, uma participação nos relacionamentos divinos, um
conhecimento experimental do Pai e do Seu Enviado” (Scripture Truth,
vol. 1, pág. 197). A. C. Brown disse: “A vida eterna se refere à vida de Deus
desfrutada em comunhão com o Pai e o Filho pela habitação do Espírito Santo” (Eternal
Life, pág. 4).
Muita confusão surgiu ao longo dos anos
quanto ao significado da vida eterna. Muitos missionários, evangelistas e professores
de escolas dominicais a definem como “vida que dura para sempre”.
Entretanto, se essa fosse uma definição correta da vida eterna, então teríamos
que dizer que o diabo e todos os pecadores perdidos têm vida eterna, porque
eles também existirão para sempre! Isto, com certeza, não é verdade. H.
Nunnerley disse: “Muitos se equivocam quanto à vida eterna, limitando seu
significado à duração infinita da existência e à segurança eterna daqueles que
possuem essa vida” (Scripture Truth, vol. 1, pág. 195). A. C. Brown
confirmou isso, afirmando que a vida eterna “não significa apenas que temos
vida que dura para sempre” (Eternal Life, pág. 4). (“Vida permanente” aparece ocasionalmente na KJV, mas deveria ser
traduzida como “vida eterna”). H. M.
Hooke comentou: “Muito poucos de nós se esforçam em se sentar e pensar o que é
a vida eterna. Lembro-me de uma vez ter perguntado a uma irmã idosa se ela gentilmente
me dissesse o que era a vida eterna. “Ah, sim!”, ela disse, “perpetuidade da
existência”. Então, eu disse: “Você não possui nada mais do que o demônio possui
– pois ele tem perpetuidade de existência!” Acredito que o que ela disse é uma ideia
popular. Mesmo os perdidos têm perpetuidade da existência; pois eles passarão a
eternidade no lago de fogo, mas eles não terão a vida eterna” (The Christian
Friend, vol. 12, pág. 230).
O termo não é chamado de vida “eterna”
por causa de sua duração sem fim, mas porque é uma vida que pertence à
eternidade. Refere-se à qualidade especial da vida divina que o Pai e o
Filho têm desfrutado juntos eternamente. Por meio da vinda de Cristo para
revelar o Pai, a morte de Cristo para resolver a questão de nossos pecados, a
ressurreição e ascensão de Cristo e com o Espírito sendo enviado é, para nós
agora, possível participar dessa vida em um relacionamento com o Pai e o Filho.
Assim, podemos desfrutar do que as Pessoas divinas desfrutam (1 Jo 1:3-4). Esta
é uma bênção que não era conhecida ou possuída pelos santos do Velho
Testamento, pois eles não tinham conhecimento de Deus como Pai, nem o
fundamento para a redenção, estabelecido na morte de Cristo, nem o Espírito
Santo enviado para habitar em crentes.
Muitos Cristãos têm dificuldade em
entender como alguém poderia dizer que os santos do Velho Testamento não têm
vida eterna. Para eles, parece que estamos dizendo que aqueles santos não foram
salvos e, portanto, não estão no céu agora! Seu problema é que eles têm uma ideia
errada do que é a vida eterna e isso os levou a conclusões erradas. A verdade é
que os santos do Velho Testamento nasceram de novo e, portanto, tiveram vida
divina e, assim, estão no céu agora – mas não puderam ter a qualidade e o
caráter de vida envolvidos na vida eterna pelas razões expostas acima. J. N.
Darby foi questionado: “Pergunta: os santos do Velho Testamento não
tinham a vida eterna? Resposta: Quanto aos santos do Velho Testamento, a
vida eterna não fazia parte da revelação do Velho Testamento, mesmo supondo que
os santos do Velho Testamento a tivessem” (Notes and Jottings, pág.
351). H. M. Hooke disse: “Fiquei muito impressionado ao examinar as Escrituras
do Velho Testamento e não encontrar um único exemplo mencionando um santo do Velho
Testamento que tivesse a vida eterna; ela não era conhecida” (The Christian
Friend, vol. 12, pág. 230). Nem é dizer que eles tinham a vida eterna, mas
não a conheciam (como alguns equivocadamente ensinaram), porque a própria
essência e significado da vida eterna é ter comunhão consciente com o
Pai e o Filho (Jo 17:3). Como poderia uma pessoa ter comunhão consciente com o
Pai e o Filho (a essência da vida eterna) e não ser consciente disso?!
A vida eterna é uma vida “celestial”
(Jo 3:12-13) que apareceu pela primeira vez quando Cristo veio do céu e habitou
entre os homens (Jo 1:14). Antes da vinda de Cristo ao mundo, a vida eterna
(estar “com o Pai” no céu – 1 Jo 1:2) era desconhecida pelos homens. Foi
agora dada aos Cristãos (Jo 3:15-16, 36, etc.). pela qual somos capazes de ter
comunhão com o Pai e o Filho, e ter a plenitude de gozo resultante disso (1 Jo
1:3-4). F. G. Patterson disse: “Não pode ser dito que eles [os santos do Velho
Testamento] tiveram a vida eterna. Ela só foi trazida à luz por meio do
evangelho (2 Tm 1:10; Tt 1:2, etc.)”. (Scripture Notes and Queries, pág.
66).
Ensinar que os santos do Velho
Testamento tinham a vida eterna confunde a diferença entre os dois Testamentos
e as bênçãos e privilégios que distinguem a Igreja de Israel. É um erro
enraizado na Teologia Reformada (Pacto), que vê Israel e a Igreja como um povo
que tem as mesmas bênçãos. Muitos problemas e confusões resultaram do fato de
os homens entenderem equivocadamente o assunto da vida eterna e, consequentemente,
ensinarem o erro a respeito disso. Por exemplo: F. W. Grant tentou dá-la aos
santos do Velho Testamento, enquanto F. E. Raven tentou tirá-la dos santos do
Novo Testamento! (O sr. Raven provavelmente negaria isso, mas se o que ele
ensinou for examinado com cuidado, a essência disso será descoberta. Veja “Life Eternal with F.E.R’s Heterodoxy
as to it” – por W. Kelly.)
A vida eterna também é universalmente
confundida com “nascer de novo” (Jo 3:3-8), mas esses termos não são
sinônimos. Ambos têm a ver com possuir a vida divina, mas a vida eterna, como
afirmamos, tem a ver com ter a vida divina em seu sentido mais pleno, em
comunhão com o Pai e o Filho. Não é que existem dois tipos de vida divina; a
vida comunicada no novo nascimento e vida eterna são a mesma vida em essência.
É a própria vida de Cristo – na verdade, Ele é chamado de “esta Vida Eterna”
(TB) nesta epístola (1 Jo 1:2). A diferença é que quando uma pessoa nasce de
novo, ela tem a vida divina em um estágio embrionário, por assim dizer, quando
uma pessoa recebe a vida eterna pela fé em Cristo, tem a vida divina em sua
forma mais elevada – conhecendo o Pai e o Filho pelo poder do Espírito Santo.
Da mesma forma, a vida em uma semente de maçã é a mesma que em uma macieira
adulta; a diferença é que, na árvore, essa vida está totalmente
desenvolvida.